O filósofo Filipe Campello é um dos organizadores do livro Modernizações Ambivalentes, que será lançado nesta quarta-feira (26). Em entrevista ao CCBA, ele conta um pouco sobre o projeto
Nesta quarta-feira (26), o CCBA recebe o lançamento do livro “Modernizações Ambivalentes”, organizado por Benjamin Gittel (DAAD – Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) e Filipe Campello (UFPE/CFCH). A ideia do livro surgiu a partir do ciclo de palestras interdisciplinares homônimo organizado pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) e o Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA) na Fundação Joaquim Nabuco em abril e maio de 2014 – “época da Temporada Alemanha+Brasil 2013-2014″.
O livro busca questionar e debater as múltiplas interpretações de modernidade consolidadas na nossa sociedade, além de repensar o que entendemos por modernização e quais são os critérios que legitimam algo como moderno – e se queremos romper com esses critérios, criando novas significações para esse conceito. Sobre o tema, o CCBA conversou um pouco com o professor adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco e organizador do livro na entrevista abaixo:
CCBA: Por que você acha que o ser humano sente a necessidade de categorizar-se como moderno ou não?
Filipe Campello: A ideia de modernidade vem do âmbito da estética, até da própria expressão “moda”, e depois foi se adaptando à filosofia e à literatura. O ponto de partida desta reflexão é uma certa insatisfação com seu próprio tempo, principalmente no pensamento alemão. Neste contexto, perguntava-se se a melhor solução para sua época consistiria em um retorno aos gregos ou, pelo contrário, em um movimento de afirmação do novo. É isso que está presente na assim chamada “Querela dos antigos e dos modernos”, em que tais tensionamentos estavam presentes. Enquanto muitos pensadores romantizavam com certa nostalgia o modo de vida dos gregos, Hegel foi um dos pensadores que propôs que não se tratava apenas de um retorno ao passado, mas, sobretudo, de conjugar a ideia de individualidade herdada pela modernidade com uma afirmação do próprio tempo.
O que é interessante nesse processo é que no contexto dessa adaptação, entre o século XVIII e XIX, os pensadores da tradição iluminista viam-se à frente do seu tempo: “nós somos esclarecidos, nós somos modernos”. Existe vinculado a isso uma ideia de progresso, de racionalidade e esclarecimento. Nós tendemos a ter essa imagem de nos compreendermos como a época mais evoluída, onde há mais progresso. A ideia do livro é justamente romper com essas ideias fixas. Por que somos mais modernos? o que isso exatamente quer dizer? quais são os critérios para dizer que temos mais progresso do que outro período? Isso é muito ambíguo porque ao mesmo tempo que se tem essa visão de estar à frente do seu tempo, o indivíduo também carrega consigo uma certa nostalgia. Uma memória afetiva de que em outro tempo era melhor também. Algo como no filme de Woody Allen, “Meia noite em paris”, em que o protagonista sempre enxerga o passado como sendo a melhor época, independente do que seja o presente. Há uma tendência de termos esses dois lados, tanto de afirmar positivamente nosso tempo como criticá-lo como pior do que o passado, quando talvez nenhuma das duas visões esteja unilateralmente certa. É isso que queremos questionar, os critérios. Uma das grandes motivações do livro é entender o que significa oferecermos um diagnóstico do nosso tempo, seja de maneira positiva ou negativa, e quais são as ferramentas que temos para compreender quem somos nós no tempo em que vivemos. A partir do mote que temos na filosofia desde Kant e Hegel, o livro explora essa busca de compreensão da atualidade, partindo desses conceitos do campo da própria filosofia.
CCBA: Essa ideia de que algumas coisas modernas podem ser, na verdade, antiquadas, é um debate bastante atual no campo do urbanismo em Recife. Você concorda?
FC: Sim. Queremos inclusive romper noções do que se considera moderno ou processos de modernização rígidos, afinal, como disse, quem é que define esses critérios? O problema às vezes são os próprios critérios. Tomemos o caso do Cais José Estelita. Algumas pessoas realmente consideram o projeto tal como se apresentava de construir ali doze torres é o que significa modernização – apesar de um modelo de verticalização já ser bastante ultrapassado em vários países. É uma ideia saturada de modernização e diversas cidades vão na contramão disso. Nas capitais europeias, por exemplo, há décadas já se encontravam modelos alternativos a uma verticalização desenfreada ou a priorização do transporte público em detrimento do uso de carros – só para mencionar alguns exemplos mais conhecidos. E para eles isso pode ser visto como modernização, enquanto em Miami ou Dubai o seria a verticalização. A concepção desses processos precisa ser discutida. E é justamente o confronto entre diversas noções de modernização que procuramos trazer no livro.
Outro exemplo é o plano piloto de Brasília, que era visto como moderno na década de 50 e hoje é totalmente saturado, pois é uma cidade que não foi feito para uma escala humana, em que você inevitavelmente precisa de carro e quase não tem calçada. Temos um capítulo no livro sobre isso, sobre como as cidades brasileiras têm uma ideia equivocada do conceito de modernidade quando foram criadas e vários problemas na questão urbanística hoje em dia. Também sobre este tópico, um outro capítulo traz um debate sobre a afirmação da diversidade na cidade, sobre se pensar a cidade como um espaço de encontro e refletir sobre o sentido de espaço público. Temos então vários critérios e parâmetros que podemos usar para dizer se uma cidade é moderna ou não.
Essas questões remetem a um embate transnacional que vimos por exemplo na Alemanha e que também temos no Brasil. Daí vem a urgência de romper essa necessidade de algo ser moderno para ser bom, de buscar outros critérios. Hartmut Rosa, no capítulo “O universal sob o múltiplo: aceleração social como chave de compreensão da modernidade”, fala da aceleração como critério normativo de legitimação da modernidade, e durante o texto tenta justamente por em questão esse modelo. O livro apresenta, portanto, tanto conceitos-chave para esse debate como as aplicações dos conceitos de modernidade, e como eles trazem experiências plurais, seja em Moçambique, Alemanha ou Brasil, para se pensar em diferentes significados de modernização.
CCBA: Foi feita alguma pesquisa de campo para entender como as pessoas na sociedade civil veem e entendem a modernidade?
FC: Esse tipo de pesquisa está presente por exemplo no artigo do Elísio Macamo, “Desenvolvimento – resultado ou mito da modernidade?”, onde ele cita casos sobre a visão da AIDS em Moçambique e traz relatos das entrevistas para o texto. No capítulo de José Mauricio Domingues, “Estado, cidadania, modernidade: tendências de desenvolvimento”, ele toca no sentido de desenvolvimento a partir da participação da sociedade civil na cidade. A ideia é realmente juntar tanto a imanência e a transcendência dos discursos da sociedade civil: a imanência refere-se a essência do discurso das pessoas e dos movimentos, e a transcendência à importância de interpretar esses discursos, tentando apontar também para os conteúdos que não são claramente articulados.
CCBA:O que você entende por autocertificação da modernidade?
FC: É o que, como mostra Habermas, Hegel entende por um diagnóstico de época, ou seja, como legitimamos nosso tempo e nos autocertificamos ou não como modernos. Como eu e Benjamin tentamos apresentar na introdução do livro, primeiro precisamos entender e compreender nosso tempo, na pergunta “somos modernos?”, e, a partir isso, no sentido do que se entende por “normativo, perguntarmos se queremos ou não ser modernos. Isso foi uma das principais motivações do livro: temos várias concepções de modernidade, e isso revela, sobretudo, uma imprecisão desse conceito. Por exemplo, Hegel e Habermas defendem que a modernidade é um processo inacabado. Bruno Latour propõe que jamais fomos modernos, além das discussões sobre noções de pós-modernidade ou modernidades múltiplas, como propõe o artigo de Einsenstadt que também inserimos no livro. Ou seja, está longe de haver um consenso sobre isso. E é interessante que isso significa que estamos tentando entender nosso tempo ou legitimar se somos ou não modernos. É nesse sentido que as questões postas por Kant e Hegel permanecem atuais. É a busca pela legitimação e de compreender para onde queremos ir, e isso é indissociado da questão de quem somos nós. E, inversamente, compreendemos melhor se somos ou não modernos se discutimos os nossos critérios e os nossos horizontes.
CCBA: Como a imprecisão semântica da modernidade influencia na nossa dificuldade em definir o tempo em que vivemos?
FC: O grande problema é que os termos modernidade e modernização, assim como os seus critérios, não são claros. Tento evidenciar um pouco do modo pragmático de como podemos repensar isso. Quando alguém diz que vai modernizar o Cais José Estelita com doze torres, essa pessoa está se apropriando de uma ideia de modernização que pode ser posta em questão, e é isso que queremos discutir, entender que não há um sentido inequívoco e claro de modernização, mas uma polissemia em seu uso.
CCBA: A partir dessa polissemia da modernidade, podemos afirmar que em alguns casos ela está diretamente ligada à ideia de progresso?
FC: A questão é: o que quer dizer esse progresso? Talvez existam outros critérios do que é progresso e podemos falar de várias concepções de progresso para entendê-lo. Essas concepções ainda nos ajudam a falar de uma ideia de progresso diferente daquela que é consolidada. Quando falamos “menos é mais”, por exemplo, estamos pensando no progresso de uma maneira diferente da forma que ele foi pensado no século XVIII. Podemos até manter a ideia de progresso, mas o que entendemos como progresso agora pode ser distinto de como o entenderemos no futuro.
Serviço
Lançamento do livro “Modernizações Ambivalentes”
Data: 26 de outubro (quarta-feira)
Hora: 19h30
Endereço: Centro Cultural Brasil – Alemanha, Rua do Sossego, 364 – Boa Vista, Recife.
Preço do livro: $20
Entrada Gratuita